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sábado, 19 de janeiro de 2013

Lincoln


          Infelizmente, MUITA gente acha que o cinema é realmente baseado em fatos reais, e então, a indústria de Hollywood continua fabricando seus heróis nacionais. Esquecemos, com frequencia, que os heróis são aqueles surgidos do povo, que normalmente lutam contra o "sistema"; os heróis normalmente morrem ou "são matados" e fazem parte dos "perdedores" nos livros de história. Um presidente nada mais é, na maioria das vezes, do que um representante da classe dominante.

LINCOLN... ainda bem que não "emplacou na galeria"; ...você vai comprar esta idéia do herói fabricado no "cinemark", de novo .. ???



Segue trecho de um livro do Eduardo Galeano, que em um breve resumo, expõe como a América Latina foi - e está sendo - drenada de seus recursos naturais, e de como sua mão de obra barata foi explorada - e ainda é -, e de como classes raciais ou segregadas foram exterminadas sem piedade, e de como  funciona a exploração do mundo dos mais fracos pelos mais fortes, sim, porque tudo se resume nisso. Nada mudou.


"OS FLIBUSTEIROS NA ABORDAGEM

Na concepção geopolítica do imperialismo, a América Central não é mais do que um apêndice natural dos Estados Unidos. Nem sequer Abraham Lincoln, que também pensou em anexar seus territórios, pôde escapar aos ditados do “destino manifesto” da grande potência sobre suas áreas contíguas.
Em meados do século passado, o flibusteiro William Walker, que operava em nome dos banqueiros Morgan e Garrison, invadiu a América Central à frente de uma quadrilha de assassinos, que se autodenominavam “a falange americana dos imortais”. Com o apoio oficioso do governo dos Estados Unidos, Walker roubou, matou, incendiou e se proclamou presidente, em expedições sucessivas, da Nicarágua, El Salvadore Honduras. Reimplantou a escravidão nos territórios que sofreram sua devastadora ocupação, continuando, assim, a obra filantrópica de seu país nos Estados do México que tinham sido ocupados, pouco antes.
Em seu regresso aos Estados Unidos; foi recebido como um herói nacional. Desde então sucederam-se as invasões, as intervenções, os bombardeios, os empréstimos obrigatórios e os tratados firmados ao pé do canhão. Em 1912, o presidente William H. Taft afirmava: “Não está longe o dia em que três bandeiras de listras e estrelas marcarão em três lugares eqüidistantes a extensão de nosso território: uma no Pólo Norte, outra no canal do Panamá e a terceira no Pólo Sul. Todo o hemisfério será nosso, de fato, como, em virtude de nossa superioridade racial, já é nosso moralmente”. Taft dizia que o reto caminho da justiça na política externa dos Estados Unidos “não exclui de modo algum uma ativa intervenção para assegurar a nossas mercadorias e a nossos capitalistas facilidades para as inversões lucrativas”. Nesta mesma época, o ex-presidente Teddy Roosevelt recordava em voz alta a brilhante amputação de terra à Colômbia: “I took the canal”, dizia o novo Prêmio Nobel da Paz, enquanto contava como tinha inventado o Panamá. A Colômbia recebera, pouco depois, uma indenização de US$25 milhões: era o preço de um país nascido para que os Estados Unidos dispusessem de uma via de comunicação entre ambos os oceanos.
As empresas apoderavam-se de terras, alfândegas, tesouros e governos; os marines desembarcavam por todas as partes para “proteger a vida e os interesses dos cidadãos norte-americanos”, álibi exato que utilizariam, em 1965, para apagar com água benta as marcas do crime da República Dominicana. A bandeira envolvia outras mercadorias. O comandante Smedley D. Butler, que encabeçou muitas das expedições, resumia assim sua própria atividade, em 1935, já aposentado: “Passei 33 anos e 4 meses no serviço ativo como membro da mais ágil força militar deste país: o Corpo de Infantaria da Marinha. Servi em todas as hierarquias, desde segundo tenente até general-de-divisão. E durante todo este período, passei a maior parte do tempo em funções de pistoleiro de primeira classe para os Grandes Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em uma palavra, fui um pistoleiro do capitalismo... Assim, por exemplo, em 1914 ajudei a fazer com que o México, e em especial Tampico, se tornassem uma presa fácil para os interesses petrolíferos norte-americanos. Ajudei a fazer com que o Haiti e Cuba fossem lugares decentes para a cobrança de juros por parte do National City Bank... Em 1909-1912 ajudei a purificar a Nicarágua para a casa bancária internacional Brown Brothers. Em 1916, levei a luz à República Dominicana, em nome dos interesses açucareiros norte-americanos. Em 1903, ajudei a ‘pacificar’ Honduras em benefício das companhias frutíferas norte-americanas".

Nos primeiros anos do século, o filósofo William James tinha ditado uma sentença pouco conhecida: “O país vomitou de uma vez e para sempre a Declaração de Independência...” 

Para dar apenas um exemplo, os Estados Unidos ocuparam o Haiti durante vinte anos, e ali, nesse país negro que tinha sido o cenário da primeira revolta vitoriosa dos escravos, introduziram a segregação racial e o regime de trabalhos forçados, mataram mil e quinhentos operários em uma de suas operações de repressão (segundo a investigação do Senado norte-americano em 1922) e, quando o governo local se negou a converter o Banco Nacional numa sucursal do National City Bank de Nova Iorque, suspenderam o pagamento do presidente e de seus ministros, para que mudassem de opinião.

Histórias semelhantes se repetiam nas demais ilhas do Caribe e em toda a América Central, o espaço geopolítico do Mare Nostrum do Império, ao ritmo alternado do big stick ou da “diplomacia do dólar”.
O Corão menciona a bananeira entre as árvores do paraíso, mas a bananização da Guatemala, Honduras, Costa Rica, Panamá, Colômbia e Equador permite suspeitar que se trata de uma árvore do inferno. Na Colômbia, a United Fruit tinha-se tornado dona do maior latifúndio do país, quando explodiu, em 1928, uma grande greve na costa atlântica. Os trabalhadores nas plantações de bananas foram aniquilados a bala, em frente a uma estação ferroviária. Um decreto oficial fora ditado: “Os homens da força pública ficam livres para castigar pelas armas...” e depois não houve necessidade de baixar nenhum decreto para apagar a matança da memória oficial do país. Miguel Ángel Asturias narrou o processo da conquista e o saque da América Central.
O Papa Verde era Minor Keith, rei sem coroa da região inteira, pai da United Fruit, devorador de países: “Temos portos, ferrovias, terras, edifícios, mananciais - enumerava o presidente -; corre o dólar, fala-se o inglês e se hasteia nossa bandeira...” “Chicago não podia senão sentir orgulho deste filho que marchou com um par de pistolas e regressava para reclamar seu posto entre os imperadores da carne, reis das ferrovias, reis do cobre, reis do chiclete”. Em O paralelo 42, John dos Passos traçou a rutilante biografia de Keith, biografia da empresa: “Na Europa e Estados Unidos as pessoas começaram a comer bananas, assim que tombaram as selvas através da América Central para semear bananas e construir ferrovias para transportá-las, e cada ano mais vapores da Great White Fleet iam para o norte repletos de bananas; essa é a história do império norte-americano no Caribe e do canal de Panamá e do futuro canal de Nicarágua e os marines e os encouraçados e as baionetas...”
As terras ficavam tão exaustas quanto os trabalhadores; às terras roubavam o húmus e aos trabalhadores os pulmões, porém, sempre havia novas terras para explorar e mais trabalhadores para exterminar. Os ditadores, próceres de opereta, velavam pelo bem estar da United Fruit com o punhal entre os dentes. Depois, a produção de bananas foi decaindo e a onipotência da empresa de frutas sofreu várias crises; mas a América Central continua sendo, em nossos dias, um santuário do lucro para os aventureiros, embora o café, o algodão e o açúcar tenham derrubado os bananais de seu pedestal de privilégio. Todavia as bananas ainda são a principal fonte de divisas para Honduras e Panamá e, na América do Sul, foi até pouco tempo a do Equador. Por volta de 1930, a América Central exportava 38 milhões anuais de cachos e a United Fruit pagava a Honduras um centavo de imposto para cada cacho. Não havia e não há maneira de controlar o pagamento de mini-impostos (que depois subiu um pouquinho), porque a United Fruit exporta e importa o que desejar à tizargem das alfândegas estatais. A balança comercial e o balanço de pagamentos do país são obras de ficção, a cargo de técnicos de pródiga imaginação."

As Veias Abertas da América Latina. Eduardo Galeano